segunda-feira, 23 de março de 2015

Patriotismo

Fiquei a semana inteira pensando: o que levaria uma pessoa a sair pra rua protestar contra a presidenta da república, pedir a volta da ditadura militar (ou intervenção como alguns dizem), utilizando, em massa, a camiseta da seleção brasileira de futebol que tem o símbolo da CBF, uma coisa parece ter nada a ver com a outra. Li vários artigos, conversei com muita gente, vi inúmeros vídeos a tentar compreender como que, pessoas com nível de estudos considerável, conseguiam ter a capacidade de submeter a isso, devida as circunstâncias que foram os protestos, que ainda prometem uma segunda etapa. 

Nosso país, que possui uma democracia representativa muito curta - menos de trinta anos de redemocratização - sofre, com a baixa participação da população brasileira em temas importantes para a sociedade. Aprendemos, nesse curto tempo, que são nossos representantes é que devem falar por nós, agir e pensar, por nós. A prática real de cidadania em nosso cotidiano é muito pequena. No geral, ainda não participamos da democracia, de fato. Independente do nível de escolaridade ou classe social, não nos acostumamos, ainda, a pensar, agir e soltar a voz, por nós mesmos. Colocamos em pedestais, nossos representantes, esquecendo que eles são pessoas iguais a gente. Veneramos qualquer informação e não aprendemos, desde cedo, nas escolas ou em casa, que a sociedade democrática só pode ser construída com base na discussão e no debate, aliás, aprendemos muito cedo a odiar quaisquer debates e discussões, com a aquela velha desculpa: “isso não leva a nada”.
Estamos engatinhando na democracia. Não aprendemos, ainda, a ter nossa visão de mundo, digo, a nossa mesmo, aquela construída por nós, sem interferências, manipulações ou preconceitos. Visão de mundo, quem você é e o que você representa nesse mundão. Olhamos para a escola da esquina de casa, como se ela fosse apenas paredes erguidas para encher de criança e aprender um montão de coisas que nunca irão utilizar na vida. Vemos a praça, as ruas, o comércio, o posto de saúde, o hospital, a polícia, como se fossem coisas definitivas, como se sempre estivessem ali e ali, sempre estarão. Não há questionamento. De nada. 

Pra nós, a política - só de falar esse termo muita gente já sai andando e não quer ouvir mais nada - é algo completamente distante. Política é voto, é eleição. A cada dois anos nós vamos pra urna e escolhemos alguém (com uma foto bonita e frases de efeito) pra administrar tudo que está a nossa volta. Política também é televisão, são esses “vagabundos dos políticos” (que vieram de Marte) vivem apenas em Brasília, aparecem nos escândalos e só estão lá para atender os próprios interesses - até que não deixa de ser verdade em alguns casos - e por isso, melhor não participar da ‘política’. Quando é pra participar da política é só pra ir votar. Quem nunca ouviu aquela famosa frase triste: “o povo tem que protestar na urna” e, normalmente, quando a gente se interessa tanto pelo pleito, não consegue conter os ânimos, as emoções e pela falta de prática democrática torna tudo um obscuro jogo maniqueísta: bom, agora o azul é bom e o vermelho é mau, ou o amarelo é ruim e verde é legal. Pior ainda, é quando vivenciamos a política, só naquele favor que eu preciso com um amigo de um sobrinho meu, que trabalha para o vereador tal e que vai conseguir dar aquela ajeitada na minha situação. 

Depois disso tudo, voltando ao início do texto, vamos tentar perceber, qual é o momento, dos poucos momentos que temos nessa vida, onde realmente parece que estamos lutando por algo, fazendo parte do Brasil, de uma união, de um patriotismo - que não acontece em outros momentos?
Acredito eu: na Copa do mundo de futebol.
É por essa falta de participação política constante do nosso aguerrido povo, que os poucos momentos que nos recordam estar fazendo algo por este país, ou ao menos parece que estamos - ainda que soframos uma alta ajudinha midiática patriótica - é na Copa. Quando a gente coloca aquela camiseta canarinho, com as cores da bandeira nacional, canta o hino junto e no fim, tudo dá certo e se não deu, nós tentamos. Mas nos dias atuais, o patriotismo de Copa do Mundo parece entrar em conflito, quando você percebe que não pode mais lutar pelo Brasil somente na hora do gol. Precisa mais. Ainda que nossa sociedade sofra de toda a manipulação midiática ou desinformação proposital, ela quer o melhor para o país. Talvez não saiba como conseguir, e às vezes, nem sabe o que pode realmente ser algo bom. Mas nós precisamos participar da democracia de qualquer maneira, pois sentimos a necessidade.

As confusões e contradições começam, então, a aparecer.
Vou pra rua com a camiseta da seleção brasileira, ou uma camisa com as cores da nação, cantar o hino nacional e caminhar junto aos meus camaradas - igual na Copa - só que dessa vez, estamos lutando de verdade pelo Brasil, pode pensar um cidadão. 
As cores que você vai pra rua, pouco importam na verdade, afinal, muitos nem sabem que o verde e amarelo da bandeira nacional, é uma representação das cores da família imperial, na época que ainda éramos colônia dos Portugueses. Mas tudo bem, de qualquer maneira, lembra as cores da bandeira, que inclusive, é linda. Eu particularmente adoro a bandeira do Brasil e tenho orgulho da nossa camisa canarinho, mas não te faz menos brasileiro se tu fores protestar de vermelho, azul, branco, preto, dourado e etc.

Entre tantas outras confusões, a maior confusão - tá, a maior ignorância - é pedir uma intervenção militar. Pera lá, qualquer pessoa que tenha estudado uma aulinha história no ensino fundamental, sabe que a ditadura militar no Brasil, servia aos interesses norte americano e toda orquestração da ditadura (que foi um dos períodos mais corruptos da política brasileira e você talvez não soubesse, pois eles costumavam matar quem era de oposição) foi realizada pelos amigos do Tio Sam. Ou seja, a pessoa, se diz patriota, coloca as cores da bandeira do Brasil e defende que o país perca a soberania nacional. É, tipo, pegar uma linda bandeira do Brasil, jogar ela chão, pedir pro Obama pisar em cima e você aplaudir. Não tem nada de patriótico nisso, aliás, pedir a volta da ditadura, além de ser antipatriota é um ato criminoso perante a Lei brasileira. Mas, não podemos crucificar quem faz isso, por mais contraditório que seja a culpa é de todos nós. 

Essa falta de prática, discussão e debate, é que torna as nossas necessidades reais altamente manipuláveis, pois, as indignações dos brasileiros - e do mundo inteiro - são reais e atuais, mas a fragilizada relação que temos com a política, como se ela fosse alto distante, torna muito mais difícil a nossa luta. Faz a gente sair pra rua, pedir impedimento da presidenta da república, como se para nós fosse a única alternativa de melhorar aquilo que nos incomoda, quando, na verdade, não só prejudica nossa democracia e não muda, não altera e não transforma a estrutura de poder corrompida que está posta há séculos.

Sempre digo e vou morrer dizendo: precisamos participar mais da democracia. Poxa, mas como a gente participa da democracia? Por mais que nosso sistema educacional seja falho e nossas crianças pouco consigam compreender isso quando saem da escola para o mundo, e no futuro, se tornarão adultos pouco interessados em falar sobre política, é nosso dever nos esforçarmos para promover a cidadania. Não é coisa fácil. Não é nada simples, participar das reuniões das associações do bairro onde você mora, dar uma chegada naquela reunião do sindicato onde você trabalha ou ver o que tá acontecendo nas reuniões da entidade estudantil que representa a sua faculdade. Quem sabe, dar um pulinho na câmara dos vereadores, naquela audiência pública importante. Aquela pesquisada nos partidos políticos, ver aquilo que você concorda ou não. E o principal: questionar. De onde isso vem, pra onde isso vai. Como isso chegou aqui, isso realmente deve continuar aqui. Não venere todas as informações que você recebe, questione-as. Construa suas próprias ideias a partir da sua própria opinião ou perspectiva.

Ao contrário de muita gente que conheço, eu sou um otimista. Acho que estamos no caminho certo e a democracia nos exige isso, que consigamos olhar a frente, muito além do que simplesmente é colocado diante dos nossos olhos. O ser humano é, por natureza, um ser questionador. O brasileiro é, culturalmente, um cidadão apaixonado, alegre e batalhador. Vivemos num país maravilhoso, com riquezas incomensuráveis, porém, com inúmeras contradições. Estamos aprendendo muita coisa e certamente, por mais que existam setores que remam contra, o nosso povo, estará cada vez mais preparado para caminhar em favor do desenvolvimento humano, social e de um país mais justo e menos desigual, e claro, com maior participação popular nas fileiras da democracia.

Arthur Montagnini

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